martes, 15 de agosto de 2017

1985 - KID ABELHA E OS ABÓBORAS SELVAGENS

Lançado em maio, Educação Sentimentalo segundo disco do Kid Abelha, trouxe hits como "Lágrimas e chuva", "Os outros" e "Garotos" e foi produzido por Liminha.

Caetano Veloso escreveu o release.





1985
KID ABELHA e OS ABÓBORAS SELVAGENS
[PAULA TOLLER / GEORGE ISRAEL / BRUNO FORTUNATO / LEONI]
Álbum “Educação Sentimental”
Elektra LP 603.6021 │ WEA LP 670.4080 [1988] │ Warner Music Brasil / WEA CD M22925 4448-2 [1995]

Lado A
1. LÁGRIMAS E CHUVA (Leoni/Bruno Fortunato/George Israel)
2. EDUCAÇÃO SENTIMENTAL II (Leoni/Paula Toller/Herbert Vianna)
3. CONSPIRAÇÃO INTERNACIONAL (Leoni/Paula Toller)
4. OS OUTROS (Leoni)
5. AMOR POR RETRIBUIÇÃO (Leoni/George Israel)

Lado B
1. EDUCAÇÃO SENTIMENTAL (Leoni)
2. GAROTOS (Leoni/Paula Toller)
3. UM DIA EM CEM (Leoni/Paula Toller)
4. UNIFORMES (Leoni/Léo Jaime)
5. A FÓRMULA DO AMOR (Leoni/Léo Jaime)



Release de Caetano Veloso:

"O primeiro estímulo para escrever estas notas me veio de um trecho da letra de uma das canções em que o Leoni sola como vocalista. Trata-se da não aceitação (em forma de dúvida) da idéia de que ele chegou atrasado para um Rio de Janeiro realmente bom. Isso faz pensar a questão da sucessão de gerações de uma maneira vívida, ou antes, faz senti-la na carne. Quando Cecília Assef me convidou para escrever alguma coisa sobre o Kid, eu fiquei tentado a aceitar pelo prazer de se sentir próximo dessa turma de gente que escolheu a mesma profissão que eu e, a meu ver, trouxe, no mínimo vitalidade e frescor ao ambiente. Sem a abundância de idéias e adereços da Blitz, sem o passionalismo samba-canção que Cazuza imprimiu ao Barão, sem a marca sonora dos Paralamas ou a agressividade de postura de um Ultraje a Rigor ou um Camisa de Vênus, o Kid disputa seu lugar no mercado com uma sobriedade delicada que o põe em risco de ser erroneamente considerado medíocre ou de tornar-se verdadeiramente apático. Eu mesmo já temi o tom “blasé”. Mas não foi absolutamente mediocridade a impressão que tive dele no primeiro contato. Quando ouvi pela primeira vez a voz de Paulinha no rádio do carro, eu me senti fascinado: estava diante de um fato nu, terno, delicioso e assustador – uma nova geração. Não se tratava da aparição de novos grupos a respeito dos quais se faz escolhas críticas, mas de uma onda da vida que tudo muda sem precisar mudar nada e que não é passível de julgamento.

Todos ficamos mais ou menos apaixonados pela Paulinha. Ela se tornou um mito vago e frágil, quase um símbolo da época. Alguém dirá que eu exagero e que ela não dura. Bem, Andy Warhol é famoso há trinta anos por ter dito que as pessoas seriam famosas por 15 minutos. O fato é que Paulinha tem a aura de musa da onda nova. No dia da gravação de Chega de Mágoa, quando tantas pessoas que têm bem forte a vocação para se exibir se reuniram para, fazendo o que melhor sabem fazer, ou seja, exibindo-se, tentarem ajudar as populações castigadas do Nordeste, ver a figura de Paulinha passar entre Lúcio Alves e Marina, entre Emilinha Borba e Lulu Santos, era uma emoção a mais (talvez a mais refinada) entre as muitas que um pobre coração velho, forte, infantil como o meu, teria que enfrentar aquele dia. Foi emocionante também vê-la cantando com Chico, que contou ter sido Rubem Braga quem lhe chamou atenção para ela. Ela tem um charme discretíssimo.

As imprecisões de afinação não parecem ocorrer por deficiência técnica nem (como no caso de Roger ou Marcelo Nova) por deliberado desrespeito aos padrões convencionais de canto, mas pela ostentação de um descompromisso com o resultado, de uma despreocupação quase aristocrática com o saber fazer. Nessa atitude reside tanto sua fraqueza quanto seu encanto. Para mim tem sido sempre maravilhoso ouvi-la cantar “Como eu quero”. É curioso que o grupo tenha escolhido o adjetico “selvagem” para compor o nome nonsense que elegeu para si. Ninguém menos selvagem do que esses garotos urbanos e limpos. Mas “Fixação” é uma linda faixa para ouvir alto. O peso, o clima, a modernidade. Quando eu tinha a idade que eles têm hoje, só gostava de “rock” quem era considerado cafona. Hoje, um garoto elegante, às vésperas do vestibular, arma um conjunto e faz um som pesado pra animar as festas de outros garotos elegantes.

O que é “selvagem”? Como um eco do passado, a palavra surge aqui indicando a natureza da origem desse acontecimento. O som do Kid é selvagem. O fato de ele às vezes ser interpretado como neo-careta é um engano muito fácil para não ser suspeito.

Tudo isso multiplica a emoção ao ouvir este segundo LP. Paulinha cantando com firmeza e entusiasmo coisas como “os outros são os outros”, ou “é menos do que eu preciso” (em vez de “nada tanto assim”), o som do grupo, Leoni, cantando bem (o contrabaixo sempre espetacular), tudo estimula a saudar o Kid e, através dele, a nova onda de “rock”, insistindo na crença de que eles vieram pra “acabar com essa inocência e o complexo de decência”, como diz a canção do Julio que o Lobão gravou.

Eu, que só comecei a gostar de “rock” em 67 (quando passei a fazer alusões a esse tipo de divertimento no meu próprio trabalho”), quero estender esta saudação a Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Rita Lee, Cely Campello, Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Wanderléa e, sobretudo, Raul Seixas que, enquanto nós estávamos no Teatro Vila Velha cantando bossa nova, estava no Cine Roma tocando rock para a juventude suburbana."

Caetano Veloso, 1985




24/9/1985 - Folha de S.Paulo

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