sábado, 15 de octubre de 2016

2016 - BOB DYLAN - Prêmio Nobel de Literatura



"... E tanto faz se o bardo judeu 
Romântico de Minnesota ..."





Jornal da Paraíba 
Blog Sílvio Osias

13 de outubro, 2016 

Caetano diz que prêmio a Dylan é atitude black-block do Nobel 

Vou confessar: Caetano Veloso foi a primeira pessoa de quem lembrei quando vi a notícia de que Bob Dylan é o Nobel de Literatura. Por questões geracionais, por afinidades, pela profunda admiração do brasileiro pelo americano e pelo gigante que Caetano é como letrista de música popular.

Não perdi tempo. Por email, pedi uma declaração de Caetano, que está em Nova York fazendo shows com Teresa Cristina. Na resposta, ele disse que soube do prêmio através do meu email e mandou a sua opinião.



Transcrevo: 

Muito engraçado. É o primeiro Nobel da música popular. Brasileiros pensamos que a confusão de “high and low” só continuava entre nós, que o antigo Primeiro Mundo tinha voltado à respeitabilidade anterior a 68. Mas que nada! Não ligo muito pra prêmios. Mas ligo muito pra Dylan. O autor de “Don’t Think Twice” e “It’s All Right, Ma (I’m Only Bleeding)”. O maior anti-crooner da história – e que gravou um enigmático (para dizer o mínimo) disco de covers de Sinatra. Os anos 60 estão aqui ainda. É atitude black-block do Nobel. Quem sabe a esquerda Chiapas vai levar o mundo do Reino do Filho para o do Espírito.







Um prêmio para a canção

Dez pitacos sobre o Nobel para Bob Dylan
Luis Augusto Fischer discute o que representa o prêmio máximo da literatura ter sido entregue a um artista amplamente conhecido por suas canções.
Por: Luis Augusto Fischer
14/10/2016

Neste ano, o premiado com o Nobel não apenas é um nome pronunciável, como também é muito conhecido e, surpresa, assobiável. Bob Dylan, aquele mesmo, que Eduardo Suplicy canta à toa, que o Caetano Veloso traduziu e o Vitor Ramil aclimatou numa história em Pelotas: este é o homenageado! Muita coisa se enrosca aí; vale a pena ir por partes.

1. Prêmio é prêmio: tem bastidores impublicáveis, pressões, canelada, tudo isso. Não é a voz de um deus, mas a visão de uma instituição, contingente como tudo que é humano. Borges, consta, não ganhou porque celebrou o ditador Pinochet, assim como, antes, Samuel Beckett foi preterido porque "sua natureza negativista vai de encontro à natureza do prêmio", segundo palavras textuais da ata do prêmio em 1964 – a Fundação Nobel mantém segredo sobre as deliberações por 50 anos.


2. O prêmio não vai para um poeta ou um memorialista, mas para um cancionista. Esta palavra não é usada por preciosismo, mas por precisão: cancionista é o sujeito que faz canção, esta forma artística que nasce e vive equilibrando-se entre música e poesia, sem poder afastar nenhuma de suas partes: mesmo quando a gente cita apenas o texto de uma canção, lá no fundo da nossa percepção, da memória, do corpo, está alguma coisa musical, sua melodia, sua levada, o arranjo, o timbre da voz do cantor.


3. Canção é literatura? Tenho certeza de que é uma arte letrada, no sentido de que depende vivamente da letra, das letras, sem as quais uma canção não é o que é. Um autor de teatro mereceria um prêmio Nobel? Se a resposta é sim, então deve ser sim também para um cancionista, este outro artista da performance.


4. Dylan é um estadunidense, logo um sujeito que vive à sombra magnífica de tantos outros bardos, desses que soltam a voz nas estradas. No mínimo, Walt Whitman e parte da Geração Beat.


5. Se ele ganhou o Nobel, então significa que qualquer canção mereceria semelhante destaque? Não, pedro-bó. Ninguém pensa em validar o romance porque o Paulo Coelho o pratica, certo? Assim também não tem cabimento pensar que Dylan valida a Eguinha Pocotó ou o MC Catra, exemplos de arte de puro entretenimento, sem qualquer aspiração acima desse horizonte.


6. Outra notícia que o Dylan nobelizado nos dá é sobre a historicidade dos gêneros artísticos. Quando o primeiro cara fez a primeira fotografia, não estava em jogo fazer arte. Era técnica servil, sem transcendência. Mas bastou que artistas a manejassem. Assim ocorreu com os gêneros que agora são considerados elevados, como o romance. Ele nasceu em berço bagaceiro, o jornal cotidiano, entre uma notícia de um assassinato e o preço das bananas ou o registro da chegada do navio de carga. Só bem depois ele ganhou elegância. Historinha real: o grande romancista escocês Walter Scott, autor do Ivanhoé, nem assinava seus romances, de tão vulgares que eram. Eram.


7. Bem assim aconteceu com a canção. Nascida como função direta da fala, da entoação, para cantar a primavera que chegava ou a moça que passava, pra maldizer o vizinho ou saudar o amigo, ela alcançou alturas inimaginadas para a bastardia e a imediatez de sua origem. Houve vários aportes letrados: árias de ópera cantadas por todo mundo, alguns "lieder", composições eruditas feitas sobre poemas. 


8. Por outro motivo ainda o Nobel para o bardo Dylan ecoa fundo e longe: é que nas Américas, seja a rica e letrada do Norte ou as pobres e iletradas Central e do Sul, ocorreu a pororoca única entre música europeia e música de afrodescendentes. Com mais acento aqui ou ali, com ou sem outros elementos culturais na mistura – Dylan bebeu da água da canção de esquerda dos anos 1930 e 40, com Woody Guthrie e Leadbelly, equiparáveis a alguns sambistas e caipiras "de protesto" da mesma época no Brasil –, foi nas Américas que a mestiçagem deu frutos: o soul, o blues, o tango, o samba, a milonga.


9. Tese acessória: o Nobel do Dylan vai também para sua geração. Paul McCartney e o falecido John Lennon, Joan Baez e Rita Lee, Caetano e Gil, Chico Buarque e Paulinho da Viola, ponha aí outros tantos nomes, Neil Young e James Taylor, sei eu lá: os nascidos entre 1940 e 1950, que estudaram ou podiam ter estudado o que quisessem, que chegaram à vida adulta nos 60, quando o rádio passava a bola para a televisão, e que herdaram um jeito de dizer as coisas que vinha de um bom tempo, mas especialmente vinha da geração anterior, da Era de Ouro do rádio. A geração de Dylan inseminou esse legado com sua formação letrada num contexto de explosão da autoconsciência jovem, pela primeira vez um setor social nítido.


10. Dói na alma de alguns o fato de que a canção viva no lamaçal do mercado (Mário de Andrade nunca aceitou o samba como grande arte por isso) e, oh, horror, ainda faça sucesso. A alguns parece que a condição da boa arte é a incomunicação e o fracasso. A canção, até mesmo a melhor canção, encontra seu público.








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