miércoles, 10 de agosto de 2016

1981 - Programa MOCIDADE INDEPENDENTE



TV Bandeirantes, Programa MOCIDADE INDEPENDENTE - Vinheta de abertura (1)



1981
Revista Veja
1 de julho de 1981 – n° 669
Editora Abril














 





27/6/1981 - Arrigo Barnabé, Nelson Motta e Caetano Veloso, no programa Mocidade Independente, da Rede Bandeirantes - Foto: Jorge Rosenberg







N o i t e s
p a u l i s t a n a s

" . . .

Na mesma época — foi uma das bombas do ano —, depois de

15 anos de glória, Walter Clark saiu da TV Globo brigado com

Roberto Marinho e assumiu a TV Bandeirantes. Cheio de idéias e

projetos, louco para mostrar do que era capaz, para dar uma

resposta à TV Globo. Walter mudou-se para São Paulo e me

chamou para produzir e apresentar um programa semanal de

duas horas para o público jovem, seria o que eu quisesse, um

programa sofisticado, de vanguarda, de linguagem moderna, como

eu jamais poderia fazer na TV Globo.

Mudei-me para São Paulo, para a casa de minha nova

namorada May Pinheiro, na Rua Atlântica, mas passava os fins de

semana na cobertura da Avenida Atlântica e no Noites Cariocas.



“Mocidade independente” foi o nome que escolhi para o

programa, que teria música ao vivo, teatro, artes plásticas,

entrevistas e debates, com uma linguagem fragmentada e

montagem anárquica, inspirada pelo quadro que Glauber Rocha

apresentava no programa “Abertura”, uma revista de Fernando

Barbosa Lima na TV Manchete. Glauber era sensacional na TV, se

movimentava o tempo todo, falando sem parar, debatendo com

seus entrevistados no meio da rua enquanto dirigia, ao vivo, as

movimentações da câmera, os problemas do microfone, discutindo

política e cultura como nunca se tinha visto na televisão, não só

no conteúdo, mas principalmente na forma. Fui seu entrevistado

em um dos programas, discutindo a geração de 68 e os rumos da

cultura brasileira, e saí inspiradíssimo. Eu queria fazer um

programa glauberiano, póstropicalista, new wave, concretista,

alguma coisa diferente dos musicais “sérios” e comerciais que se

viam nas televisões. Walter Clark achou o nome ótimo e recebi

sinal verde para iniciar as gravações, com todo o apoio e

entusiasmo do querido “Dr. Demente Neto”, que Walter tinha

trazido para dirigir a produção.



Para a parte “teatral” do programa, chamei um grupo de

jovens atores cariocas, amigos da praia e do Noites Cariocas, que

eu acompanhava desde a sua primeira montagem hilariante de ‘O

inspetor geral’ até o sensacional ‘Trate-me leão’, que assisti várias

vezes no Teatro Ipanema. Os garotos eram a melhor expressão do

teatro moderno, tinham um humor diferente, uma nova atitude

política, eram alegres, libertários e originais. Talentosos e

carismáticos, logo se tornaram ídolos da juventude da Zona Sul do

Rio.



Mas em São Paulo pouca gente conhecia Regina Casé, Luiz

Fernando Guimarães, Evandro Mesquita, Patrícia Travassos,

Perfeito Fortuna e Hamilton Vaz Pereira, o Asdrúbal Trouxe o

Trombone, que parecia muito mais uma banda de rock do que

uma companhia teatral. Felizes da vida eles assinaram

o seu primeiro contrato de televisão, para apresentar — o

que quisessem — todas as semanas num quadro de dez minutos

dentro do “Mocidade independente”. A idéia deles era

um seriado: as aventuras de um grupo de jovens atores cariocas

que vai para São Paulo fazer televisão, enfrentando as

dificuldades com piadas e improvisos, misturando realidade e ficção.



Para me ajudar na direção, produção e edição chamei um

grupo de jovens recém-formados em televisão na Escola de

Comunicação de São Paulo, que exibiram um vídeo muito bemfeito

sobre um poeta concretista no Paulicéia Desvairada.

Contratei-os no ato. Walter Silveira, Tadeu Jungle, Ney Marcondes

e Paulo Priolli formavam uma equipe de TV, mas também tinham

a atitude de uma banda de rock. Eles formavam a “TV Tudo”,

todos faziam produção, direção e edição, mas nunca tinham

trabalhado em televisão comercial. Foram os responsáveis por boa

parte da modernidade narrativa do programa e seus melhores

momentos anárquicos, trouxeram com eles a vanguarda

paulistana, artistas plásticos, músicos, poetas e visionários.

Mocidade pra lá de independente.





Para o primeiro programa convidei Caetano Veloso e um

jovem representante da fervilhante vanguarda paulistana, o

paranaense Arrigo Barnabé, que tinha lançado um disco

independente muito bom e cultuado em SP. O programa foi

gravado no Paulicéia Desvairada, Caetano cantou músicas de

Paulo Leminsky (“Verdura”) e, a pedido de Regina Casé, de Henri

Salvador (“Dans mon ile”). Arrigo se apresentou com uma big band,

fechando com seu hit underground “Clara Crocodilo”, que começa

com ele falando glauberianamente como um radialista policial,

gritando entre dodecafonismos e rock, e cantando com voz rouca e

rasgada junto com as duas gatinhas dos vocais, Vânia Bastos e

Suzana Salles. Depois reuni os dois numa entrevista em que Arrigo disse

que o que ele estava fazendo não era vanguarda, era só uma

continuação lógica, uma radicalização do tropicalismo, era uma

das linguagens musicais que deveriam ter se seguido ao

movimento, mas o processo tinha sido interrompido e só agora

estava sendo retomado. Caetano gostou e contou que, no início do

tropicalismo, secretamente se perguntava, temeroso e reverente,

“O que João Gilberto estará achando disso tudo?”, deles

fantasiados, rebolando no palco, com guitarras. E um dia criou

coragem e perguntou.



“Que nada! Eu acho isso que vocês fazem maravilhoso, acho

linda essa animação de vocês, todo esse rebolado, esses

movimentos, essa alegria... eu gosto disso, só que eu tenho tudo

isso... aqui”, João respondeu apontando para a garganta.



Ele foi um dos pontos altos do programa: 15 minutos

inéditos de João Gilberto cantando — e até dizendo algumas

palavras — filmados pelo produtor Zé Amâncio no Hotel Gramercy

Park de Nova York.



Durante toda a gravação, o artista plástico Aguillar trabalhou

com sprays num imenso painel de Bob Marley, com um charo

enorme na boca, ocupando uma parede inteira do Paulicéia.

Editadas e picotadas, como miniclips, todas as fases da criação do

painel pontuaram o programa, enquanto o reagge rolava e Marley

cantava.



Clips do Blondie, do Devo e, claro, de Kid Creole and the

Coconuts, que ninguém conhecia no Brasil, pontuavam o

programa inaugural.

O tema de abertura e encerramento foi minha primeira

parceria com Lulu Santos: “Tesouros da juventude”. Ele fez a

música, um rock rápido e animado, no dia da morte de John

Lennon, me mandou a fita e escrevi uma letra sobre os “meninos

que morreram cedo”, nas drogas, na guerrilha, na guerra urbana,

e John é citado na letra, junto com Janis Joplin, Jimi Hendrix e

Brian Jones.



Lulu trabalhava na Som Livre, ajudando Guto Graça Mello

na produção de músicas para trilhas de novelas da TV Globo, era

presença constante na praia, no Noites Cariocas, no escritório de

Ipanema e, depois de breve namoro, tinha se casado com Scarlet

Moon, roubando-a de Júlio Barroso, que ficou furioso com a

perda. Pouco depois o Vímana acabava, por briga coletiva, mas

principalmente porque Lobão, com 19 anos, em espetacular ação

de antropofagia sexual e cultural, não só roubou a mulher de

Patrick Moraz, como também ficou com a casa e até o piano, se

tornando um herói nas noites cariocas. Estimulado por Scarlet,

Lulu tentou sua primeira experiência solo na Polygram, com uma

única exigência da gerência de marketing: que não usasse o nome

Lulu Santos, que consideravam ridículo, mas Luiz Maurício (seu

verdadeiro nome de batismo, que ele odiava). O disco foi

completamente ignorado por crítica e público e Luiz Maurício

voltou a ser Lulu, esqueceu de vez o progressivismo e passou a

fazer rocks básicos e animados, bem new wave, com boas

melodias, como “Tesouros da juventude” e “Areias escaldantes”.



Júlio criou um slogan modernista para o programa, que foi

usado, aos gritos, na campanha de lançamento na TV: “Pra quem

desce na nossa onda, toda semana é de arte moderna!”



“Mais ovo e menos galinhagem!” era outro, criado por Charles

Peixoto, que formava com Bernardo Vilhena, Chacal e Ronaldo

Santos o grupo carioca Nuvem Cigana, jovens poetas que também

se comportavam como uma banda de rock.



“Já que é proibido pisar na grama, o jeito é deitar e rolar”, de

Chacal, era outro de nossos favoritos, junto com a máxima de

Oswald de Andrade (“A massa ainda comerá dos biscoitos finos

que fabrico...”), transformada no slogan 
“Mocidade independente — Biscoitos finos para a massa!”.



O primeiro programa, que consumiu noites insones de edição

baseada no conceito glauberiano de “montagem nuclear”, que

ninguém sabia bem o que era, fragmentado em milhares de cortes,

saiu bem perto do que imaginávamos: não parecia em nada com o

que se via na televisão, muito pelo contrário. Mereci um perfil

entusiasmado de Okky de Souza na Veja, com o título de “A fonte

da juventude”, e uma crítica elogiosa assinada por um jovem que

tinha se formado em cinema na Califórnia e começava a trabalhar

em televisão no Brasil, Walter Salles Jr. Mas pouca gente viu o

programa, exibido sábado às nove da noite, contra a novela da TV

Globo: deu menos de 5% de audiência. Nenhuma mocidade que se

preze, muito menos a independente, estaria em casa naquela hora

vendo televisão.

. . . "


[Nelson Motta - Noites Tropicais, Páginas 327 / 331]




Depois de oito programas e por falta de audiência e de anunciantes, o “Mocidade independente” vai ao ar pela última vez no dia 22 de agosto de 1981, no mesmo dia em que Glauber Rocha morria no Rio de Janeiro.








 
MOTTA, Nelson. Noites Tropicais - solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2000. 464 pág.



 
2000
Nelson Motta - Notas Tropicais
Universal Music 2 CD´s 60121578162










(1) Mocidade independente: experimentalismo na TV Brasileira. Rafael Paiva Alves,  2016.

"Resumo: Procurando contribuir para a análise das relações entre indústria da música e televisão no Brasil, o objetivo do artigo é investigar o programa musical televisivo “Mocidade Independente”, transmitido pela Rede Bandeirantes entre junho e setembro de 1981, de modo a trazer subsídios a respeito do contexto televisivo-musical do período, principalmente em termos de difusão musical no meio televisivo. Tal programa se destacou do restante do fluxo televisivo por ser o primeiro a dar “espaço” aos independentes, tanto à produção musical do período, como para produção de vídeo. Em termos de linguagem e estética, o musical teve em seus quadros profissionais a participação de integrantes da produtora independente de vídeo “TVDO” (lê-se TV Tudo) tornando possível perceber elementos da influência do quadro de Glauber Rocha do programa “Abertura”, na TV Tupi em 1979."


"A vinheta de abertura do programa era uma espécie de pássaro no formato de M e I, ou seja, as letras iniciais do programa que sobrevoava longamente até flutuar no ar e começar a chocar um ovo, que dentro de instantes trincaria sua casca para dar vida ao “Mocidade Independente”, tudo em cores fortes e marcantes; tudo ao som de uma canção de rock chamada tesouros da juventude, que constituiria a primeira parceria entre o letrista Nelson Motta com o músico Lulu Santos."






 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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