viernes, 15 de julio de 2016

1994 - TROPICÁLIA 2


 Caetano Veloso e Gilberto Gil em Madri - Fotos: Gonzalo Quitral



Caetano Veloso e Gilberto Gil durante a entrevista / Foto: Gonzalo Quitral
  
Esta entrevista faz parte do projeto do livro A Tumba Aberta e foi realizada para a agência Radial Press e Staff de Madri em agosto de 1994.


A TUMBA ABERTA: 55 entrevistas transatlânticas 1981―2008
 
". . . as 55 entrevistas transatlânticas de tumba aberta (nunca melhor dito, pois alguns dos entrevistados já estão mortos) estendem-se, como uma grande ponte entre Brasil e Espanha, desde 1981 aos dias de hoje. Uma ponte verbal que se inicia em São Paulo com um jovem sindicalista recém-saído da cadeia por incitar greve e chamado Luiz Inácio Lula da Silva (conhecem?) e desemboca em Madri com Gervasio Sánchez, o grande fotógrafo e jornalista espanhol do conflito humano. . . ."

[Fernando Castelló (Valencia, 1937―Madrid, 2013) periodista, escritor y presidente internacional de Reporteros Sin Fronteras (RSF) escribió este texto en Madrid el día 29 de mayo de 2008 para la publicación del malogrado libro bilingüe –portugués/español- A Tumba Aberta ― 55 entrevistas transatlânticas 1981-2008.]

 


CAETANO VELOSO E GILBERTO GIL: Músicos



“NÓS MESMOS LEVAMOS O LEGADO DO TROPICALISMO”

por Jairo Máximo



 
Caetano Veloso e Gilberto Gil em Madri / Foto: Gonzalo Quitral


Caetano Veloso (Santo Amaro da Purificação, Salvador, Brasil, 1942) e Gilberto Gil (Salvador, Brasil, 1942) Músicos. Nos anos sesenta do século XX lideram o movimento cultural e libertário denominado Tropicália, que além da música, englobava teatro, cinema, literatura e artes plásticas. Seu lema era Proibido Proibir, tanto na música como na política. Foi a grande ruptura dentro da tradição musical brasileira desde a bossa nova, que era a corrente dominante na Música Popular Brasileira daquele momento. Nesta entrevista exclusiva, concedida em Madri, afirman: “Arnaldo Antunes é uma das melhores coisas brasileiras que aconteceu na MPB nas últimas décadas”.

Que pretendem com o disco Tropicália 2?
Em este novo disco conjunto Tropicália 2 ― comemoramos os 25 anos do Tropicalismo, movimento cultural cujo marco foi o disco manifesto Tropicália ou Panis et circenses (1968)―, onde participamos conjuntamente com a vanguarda jovem daquele momento: Gal Costa, Nara Leão, Rogério Duprat, Tom Zé, Torquato Neto e os Mutantes.


 
Caetano Veloso e Gilberto Gil em Madri / Foto: Gonzalo Quitral
 

Para não perder o fio da meada…


Neste disco conjunto Tropicália 2 eles, com maestria, homenageiam a música e a cultura brasileira sem esquecer suas referências universais. Evocam, tanto nas letras como nas melodias, a tradição que fez possível o movimento do tropicalismo, assim como os movimentos artísticos que floresceram junto ao ideal tropicalista e a ampla repercussão que teve este movimento na cultura brasileira. A vinheta Rap Popcreto sintetiza esta tripla homenagem que se faz ouvir por todo o disco. É a música mais arriscada do disco, de uma vigor juvenil. Numa colagem sampleada desfilam as vozes e sonoridades de uma ampla gama de músicos brasileiros, anteriores e posteriores ao tropicalismo. O título e o caráter experimental reivindicam a poesia concreta, projeto vanguardista liderado por Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, que também romperam barreiras nos anos cinquenta e sesenta, e que influiu fortemente Caetano Veloso e tantos outros.


 
Gilberto Gil em Madri / Foto: Gonzalo Quitral


Histórico Proibido Proibir
O tropicalismo conseguiu revitalizar a música do Brasil, respeitando as formas tradicionais e autônomas e valorizando suas senhas de identidade cultural, mas assimilando, ao mesmo tempo, a cultura.
internacional contemporânea. Retomando o ideal antropofágico do poeta vanguardista Oswald de Andrade de aceitar o dado estrangeiro, mas sem submissão, devorando-o e misturando-o com o dado nacional, o tropicalismo revisou as bases da MPB e não houve volta atrás. Relacionado com outros movimentos de caráter estético-cultural dos anos 60 como a poesia concreta, o cinema novo, o teatro oficina, a bossa nova e a contracultura, o tropicalismo, em um impulso sem precedentes na MPB, colocaram no mesmo liquidificador dados de diferentes procedências: o popular e o culto, o rural e o urbano, o estrangeiro e o nacional, o lírico e o comprometido socialmente às antigas e novas formas de composição. Respirava-se um clima de vanguarda, mas sem que houvesse uma ruptura radical com a tradição e sim uma reciclagem contemporizadora desta mesma tradição. Prova disto, no disco Tropicália 2 é a reverência à tradição musical brasileira em músicas como Desde que o Samba é Samba, onde Caetano canta:

O samba é pai do prazer,
o samba é filho da dor,
o grande poder transformador.



 
Caetano Veloso em Madri / Foto: Gonzalo Quitral


No começo houve uma forte negação da crítica paulista, que se ofendeu com o uso de instrumentos eletrônicos na renovação dos ritmos tradicionais e com o questionamento a fundo da realidade nacional nas letras e músicas e nas declarações de Caetano, Gil e demais companheiros. Mas esta negação elitista ficou desacreditada pelo grande acolhida popular que teve o tropicalismo e as suas conquistas que, hoje em dia, já estão assimiladas e incorporadas ao acervo musical brasileiro e internacional. Mas, na verdade, nem tudo foram flores, pois o país atravessava o momento mais duro da ditadura militar vigente desde 1964. Divulgar os ideais da cultura mestiça custou a Caetano e Gilberto Gil o silêncio oficial sobre suas obras, a cadeia e um breve exílio em Londres a partir de 1969, deixando uma grande quantidade de músicas, entre elas Divino Maravilhoso, Alegria, Alegria e Soy Loco por ti América, hinos de toda uma geração. Na cadeia Caetano Veloso compôs Terra, uma declaração de amor a nosso planeta motivado pelas primeiras fotos de sua musa desde o espaço sideral. Deste tema, fez uma versão seu amigo o espanhol Santiago Auserón, que gravou junto à Rádio Futura com o título de Tierra. Antes de se mudar para Londres,

 
Caetano Veloso em Madri / Foto: Gonzalo Quitral
 

Gilberto Gil compôs o samba Aquele Abraço, já naquela época um clássico, onde se despede com alegria do Rio de Janeiro, sua cidade de adoção. Em sua estância londrina estes jovens brasileiros aproveitaram para conhecer a fundo o cenário musical inglês, pelo qual se deixaram influir. Caetano gravou dois discos, nos quais se incluem letras em inglês e versões dos Beatles e colaborou regularmente com o semanário Pasquim, a mais combativa publicação independente que havia naquele momento no Brasil. Enquanto isso, Gil depurou a técnica do violão, gravou um disco em inglês e se apaixonou pela música de Jimy Hendrix, de quem, 25 anos depois, faria a versão de Wait Until Tomorrow no disco Tropicália 2, com Caetano Veloso.

Ainda que ausentes do seu país ali já estavam criadas a lenda em torno deles e as músicas, textos e declarações polêmicas divulgadas principalmente pela imprensa independente brasileira. Em 1972 retornaram ao Brasil, quando Caetano, referindo-se ao fim da fase heroica do movimento tropicalista, declara sem remorso: O tropicalismo foi uma árvore de mil frutas. Esta década abriu caminho para que eles e outros novos cultivassem os campos tremendamente férteis, ainda não esgotados, criados por este movimento. O jovem músico Arnaldo Antunes é um bom exemplo disto, uma autêntica promessa. Atualmente, Caetano Veloso é reconhecido como um poeta que, com sua música, cumpre uma função social no Brasil, sempre esteve na linha de frente lutando, tocando e criando. Gilberto Gil domina todos os ritmos do Brasil e todos os estilos que lhe interessam: rock, reggae, funk, salsa, africanidades e outros.
 

Gilberto Gil em Madri / Foto: Gonzalo Quitral


Realidade atual em foco
 
No Tropicália 2 Caetano e Gil não se esquecem da dura realidade atual. Haiti, por exemplo, não faz concessões na sua crítica direta de alguns acontecimentos recentes:

E o venerado cardeal que vê muito espírito no feto e nenhum no marginal (…) E quando for dar uma volta pelo Caribe
E trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente
no bloqueio a Cuba, pense no Haiti, reze pelo Haiti.

Na música Cada Macaco no seu Galho, um tema clássico com uma inovadora versão, e com ironia, dão uma leitura contemporânea:

Cada macaco no seu galho
Não me canso de dizer.
Meu galho está na Bahia, o seu em outro lugar.

Ao regravar esta música eles fazem uma sutil crítica a alguns músicos estrangeiros, como Paul Simon, que vão ao Brasil se embebedar de suas sonoridades e seus ritmos para depois lançarem seus discos com matizes e colaborações locais, mas muitas vezes de uma maneira estereotipada e com embalagens medíocres, onde o dado brasileiro não passa de algo exótico, sem transcendência. A atual MPB, neste começo dos anos 90, conta com o aval de figuras do cenário musical como Peter Gabriel, Ryuichi Sakamoto, Quincy Jones, Arto Lindsay, John Zorn, Jon Anderson, James Taylor, Paco de Lucia, Santiago Auserón, e Pat Metheny, que chegou a dizer que: “O Brasil é o único lugar do mundo onde a música pop de todos os dias é harmônica e ritmicamente sofisticada”.






 
Gilberto Gil em Madri / Foto: Gonzalo Quitral

Outros nomes da Tropicália
 
Outros nomes de vital importância do tropicalismo e dos movimentos que girava em torno deles foram: o poeta Torquato Neto, o artista plástico Hélio Oiticica e o cineasta Glauber Rocha. O poeta Torquato Neto era também letrista e jornalista. Foi coautor com Gilberto Gil de músicas de grandes êxitos como Geleia Geral, Soy Loco por ti América e Deus nos Salve esta Casa Santa. Geleia Geral era também o nome de uma polêmica coluna jornalística dirigida por Torquato, que defendia tanto o tropicalismo como a poesia concreta, propunha uma poesia total, que valorizasse por igual os aspectos verbais, auditivos e visuais da linguagem. A poética de Torquato tinha um matiz experimental no que se refere ao conteúdo. Estava muito influenciada por Ezra Pound e também evidenciava uma grande preocupação social com seu tempo. Legítimo poeta maldito, seu espírito inquieto lhe levou ao suicídio ainda jovem. “Os Últimos Dias de Paupéria” é o seu único livro de poemas, de edição póstuma, cuja introdução é do poeta concreto Augusto de Campos. Deixou para a posteridade uma obra pequena e incompleta, mas de grande talento e de muita influência posteriormente. É reconhecido como o pai da chamada poesia marginal dos anos 70. Outro ativista desta época foi o artista plástico Hélio Oiticica, uma figura praticamente desconhecida no cenário artístico ocidental, cuja maior atividade criativa se desenvolveu no Rio de Janeiro, salvo esporádicas estâncias em Nova York e Londres, onde expôs na famosa galeria Whitechapel em 1969. Suas obras estavam carregadas de efeitos estéticos, da realidade mais próxima ao subdesenvolvimento brasileiro, da interação de diferentes artes, do conceito de liberdade e uma visão global mais existencialista. A máxima deste homossexual e cocainômano declarado era: seja marginal, seja herói. Oiticica acreditava que o Brasil é um país condenado à modernidade: só nos resta à invenção e que, todo esforço de um criador tem seu lado marginal. É uma coisa que nunca está do lado do status quo. No começo dos anos 90, a Fundação Antoni Tàpies, de Barcelona, lhe dedicou uma exposição.

Cinema Novo pra vocês
 
Paralelamente ao tropicalismo se desenvolveu o cinema novo liderado pelo polêmico cineasta Glauber Rocha, que deixou importantes filmes, atualmente considerado de culto no Brasil e além-fronteiras: Barravento (1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967, prêmio da crítica de Cannes e prêmio Luis Buñuel concedido pela crítica espanhola), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969, prêmio de melhor direção em Cannes e prêmio Luiz Buñuel), Cabeças Cortadas (1970, produção hispano-brasileira filmada em Barcelona) são alguns deles. Glauber fazia um cinema hiper-lúcido, vital e comprometido com a realidade social brasileira. O tropicalismo deve seu pensamento à obra cinematográfica de Glauber e de seus companheiros, tanto que, Caetano e Gil em Tropicália 2 gravaram um tema chamado Cinema Novo onde declaram: “As imagens deste cinema entraram nas palavras das canções”.



 
Caetano Veloso e Gilberto Gil em Madri / Foto: Gonzalo Quitral

E AGORA QUEM?

Tarde de verão em Madri. Muralha Árabe. Caetano Veloso e o Gilberto Gil me falam do futuro da MPB. E a estrela é… Arnaldo Antunes, em boa parte um filho do tropicalismo, de quem eles gravaram a música, As Coisas, em Tropicália 2.


Quem vai pegar o legado do tropicalismo, 25 anos depois?
Caetano:
Nós mesmos. Eu, o Gil, a Gal Costa e o Tom Zé que está de volta.


E o Arnaldo Antunes chegará dentro de 10 anos a ter a mesma notoriedade que vocês conquistaram?
Caetano:
Arnaldo Antunes é uma das melhores coisas brasileiras que aconteceu na MPB nas últimas décadas.



Arnaldo Antunes em São Paulo / Foto: Lailson Santos


E ele traz incorporados a poesia concreta e o tropicalismo em seu trabalho…
Caetano:
Sim. E também traz seu próprio dado pessoal.


Gil, o que você pensa do Arnaldo Antunes?
Gil:
Ele traz consigo a poesia concreta, o tropicalismo e o rock brasileiro. Além disso, é uma inteligência que somente se encontra nos melhores momentos dos grandes movimentos intelectuais, literários e artísticos do Brasil. Seu trabalho é profundo, fundamentado e prometedor.
 
Ele traduz, ao mesmo tempo, a faceta urbana de São Paulo e a do Brasil mais remoto?
Gil:
Sim. São Paulo é tudo isto e mais. Todas as manifestações culturais de São Paulo, principalmente nos últimos anos, são provas do poder de aglutinação que exerce esta cidade com relação ao Brasil. E Arnaldo Antunes é como é São Paulo. O melhor do Brasil -o samba, Dorival Caymmi, Bahia etc.- está na sua cabeça. E também a poesia concreta, os irmãos Campos, todas as experiências do saudoso Paulo Leminski e seus seguidores, as correntes neo-moderrnistas, João Cabral de Melo Neto, a tradição etc. Ele está realizando um trabalho inédito no Brasil, de multimídia, misturando música e poesia visual em diferentes suportes: disco, vídeo e livro.

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